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O PEDRO É UM HERÓI!!!

Lembram-se de vos ter falado no meu amigo Pedro? Se não lembram, leiam tudo aqui. Pois é… ele foi, viu, sofreu, mas no fim venceu! Deixo-vos aqui o seu longo testemunho, mas que todos devem ler até à ultima linha. PARABÉNS PEDRO!!!


Dormi pouco… Acordei montes de vezes. Acordei transpirado, destapava-me. Depois acordei com frio, tapava-me. Despertador programado para as 4h30, às 4h00 já eu estava a ler e reler as mensagens e comentários que muitos amigos me deixaram. Apesar de tudo, estava relativamente descansado. Tinha colocado demasiada pressão sobre mim próprio. Mas eu longo da minha vida fui-me apercebendo que é assim que funciono melhor. Afinal de contas, a única diferença entre um bocado de carvão e um diamante é a pressão. Estava prestes a cumprir o maior projecto da minha vida. Cinco anos de sonho, dois de preparação, 6 meses de dedicação total. Estava no dia 2 de Outubro. A data mais esperada. Era finalmente dia 2. Dia do IRONMAN! E eu estava prestes a tornar-me um.

Apesar de tudo consegui comer bem. Nos 3 dias antes da prova que estive em Barcelona consegui cumprir bem o plano de alimentação, o chamado “carbo loading”. Ali, apesar do estômago apertado, atestei de energia. Quase todo o material para o dia da prova fica no recinto de véspera. A bicicleta e os 2 sacos de material. Um com o material para a bicicleta, outro com as coisas para correr. Só resta o que se tem vestido à partida. O fato de natação, touca e oculos. E claro, o fato de triatlo. Tantas vezes que olhei para ele. Agora ali estava, dobrado, com os patrocínios virados para cima. Apoios, amigos que tinha juntado ao longo deste caminho. Ali estava ele, tinha chegado a hora de o vestir, no dia D.

Saí de casa com a minha mulher ainda de noite. Cerca de 30 minutos de caminho. Ao contrário do que é habitual, fui falando. Normalmente coloco a “race face” antes da partida. Fico com a cara séria, testa franzida e não falo para ninguém. Fico eu e os meus pensamentos…

O Parque de Transição abria às 6h30, para termos acesso à bicicleta e aos sacos. Essencialmente para uma última verificação ao material (pressão dos pneus, por exemplo) e colocar a nutrição na bicicleta e nos sacos. Esta parte para mim é absolutamente essencial… Apesar de haver muita comida (barras, géis e afins) fornecidos pela organização, não confio em ninguém excepto em mim próprio. Levo o que é meu, que estou habituado a comer. Colei barras de hidratos, com proteína e uma com cafeína no quadro da bicicleta. Para ir descolando e comendo ao longo do percurso. Ainda um comprimido de cafeína que colei no avanço do guiador. A bike estava impecável, a má notícia foi que as cábulas com os tempos de passagem e barreiras horárias que previ deixaram de se ver. Tudo esborratado por causa da humidade da noite e da maresia… Não era grave, mas pronto.

Fui à tenda onde estão os sacos de transição e coloquei um gel no saco da bicicleta (que ia colocar no bolso de trás do meu fato de triatlo depois de tirar o de natação) e uma barra de proteína e outra de hidrato no saco de corrida. Quando ali chegasse, decidia. Para ter a certeza que nao me esquecia, coloquei dentro do sapato. Este é um truque antigo, assim é impossível não as levar… Junto a isto, mais um comprimido de cafeína, just in case.
Vesti o fato de natação… A esta hora, ainda de noite, a tenda do Parque de Transição estava repleta. Quase toda a gente já ali estava, preparando-se para um dia que para todos, é especial.

Saí, disposto a despedir-me da minha mulher. Quem não tem a pulseira de identificação, não entra em nenhuma area reservada. Sem excepção. Lá a encontrei, mais nervosa que eu… Tirei uma foto, que ficou desfocada… O dia começava a clarear. Despedi-me e entrei definitivamente na area dos atletas. Já tinha voltado a comer, tomado o comprimido de cafeína antes da partida e comi uma barra energetica com sabor a chocolate… Algum pessoal ia fazendo o aquecimento dentro de agua, outros faziam filas imensas para ir ao WC…

Resisti até à ultima em ir para dentro de agua. Na ultima prova, depois de me molhar, passou demasiado tempo até à partida. Arrefeci e custou-me imenso depois do tiro de partida…

A zona de aquecimento tinha acesso ao publico, voltei a ter a companhia da minha mulher. Sim, ela nunca desiste…

Aproveitei o momento de conforto e fui até à agua. Estava fantastica. O Mediterrâneo, mesmo sendo mar, estava perfeito… Temperatura ideal, poucas ondas, sem vento. Com o fato de natação e agua salgada fica fácil boiar. É “quase” só dar aos braços e pernas…
Quando estava quase a sair, fiz sinal à minha mulher que estava na praia. O sol começava a despontar no horizonte. O sol, o mediterrâneo e a praia de Calella estavam em harmonia. Os tons vermelhos e quentes fizeram com que toda a gente parasse para contemplar aquele momento. Ali, nao há uns e outros. Todos, atletas, familia e amigos, fazem parte da corrida. Todos partilham do mesmo sentimento.

Fui para a grelha de partida. A partida está muito bem feita. Em vez de terem 3000 atletas às cotoveladas na partida, dividem por boxes, de tempo. Quem pensa fazer menos de uma hora, entra nessa. 1h10, nessa, 1h30 nessa e sucessivamente. O tempo oficial de prova (e os de corte) começam a contar quando o atleta passa debaixo do arco de meta e nao quando se dá a partida. É justo e evita muita desgraça…

Fui conservador e entrei na ultima box, da 1h40 até às 2h00. O tempo limite para aquele sector eram 2h20, e era só isso que me interessava.

A visão que tive daquele ponto é das melhores imagens que tenho do Ironman. Sentei-me na areia a ver o sol subir e reflectir no mar. Ouvia-se apenas o som das ondas na praia e a musica do sistema de som. Os speaker´s tinham-se calado. Os atletas quase todos estavam em silencio, os apoiantes também. A musica que dava? A banda sonora do Gladiador, do Hans Zimmer. Vão ouvir e imaginem o momento… Este foi talvez o momento que mais me emocionou ao longo de toda a prova. Não fui o unico. Vi muitas lágrimas que se disfarçavam com a agua salgada do mar na cara do pessoal… Estar na ultima box tem destas coisas. Um só objectivo, chegar ao fim. Nesse se encerra toda a superação, todo o sofrimento, todo o treino, todas as dores. 3000 atletas, 3000 motivos para estar naquele sitio, aquela hora, naquele momento.

Estava estranhamente confiante. Sabia que só tinha que fazer tudo certinho para chegar ao fim. Só o imponderável de um furo, queda ou lesão me podia impedir disso. Não é habitual isso em mim… Mas apesar de não ter havido muitas conversas, pareceu-me ser o sentimento geral.

O momento da partida ia-se aproximando. A classe “Pró” é a primeira a ir. Depois passa quase meia hora até que todos os outros atletas passem debaixo do arco de partida. Um arco preto, enorme, com o logotipo do IRONMAN. Ao fundo, muito ao fundo mesmo, as boias da “ARENA” mostravam os pontos de viragem. Credo… Aquilo está mesmo longe!

Fui avançado até chegar à minha vez. 6 atletas lançados a cada 4 segundos. Olhei uma ultima vez para me tentar despedir da minha mulher. Lá a vi, acenei a ultima vez. Tinha chegado a hora! Coloquei os oculos e olhei em frente. Tinha apenas uns 4 ou 5 atletas à minha frente. Chegou a minha vez. 4 segundos to Bingo! O cronometro ajuda: Pi, pi, pi, Partida!
Liguei o relogio, corri e atirei-me contra as ondas.

Já vos disse que o mar estava perfeito, não já? Assim que se passa a rebentação e os primeiros encontrões, a coisa estabiliza. Comecei a dar aos braços e às pernas. Sentia-me mesmo bem. Pode ser do treino… Pode ser da motivação… Pode ser tudo junto. Mas eu ia a voar. Tentei controlar-me. Como dentro de agua não consigo ver o relogio para verificar o ritmo, ia repetindo na minha cabeça para respirar correctamente e ser consistente no ritmo. Comecei logo aqui a passar muita gente. Era um dos meus receios. Não ter referencias de ritmos e ficar embrulhado ou para o fim… Na bicicleta e na corrida é mais fácil saber o que se está a fazer. Quando dei por mim, estava na primeira viragem, a boia da ARENA aos 300 metros. Quase sem ter engolido pirolitos… Digo-vos uma coisa, a boia, vista de baixo para cima, dentro de agua, é ENORME!

Esta viragem é a que depois nos leva ao ponto mais distante da pista. Continuava a ir bem. Tirando um pontapé que levei na anca logo depois da partida, ia tudo bem. O pessoal ali era muito pacifico. Quando alguém sentia um toque, desvia-se para o outro lado e ambos faziam isto. O que foi excelente.

Continuava agora a manter o meu ritmo vivo. Conseguia respirar bem e ser constante. A unica excepção… Há um tipo que me vindo de trás me dá um valente encontrão para passar. Ainda não me tinha apercebido do que tinha acontecido e sou ATROPELADO por outro atleta que me passou literalmente por cima. Puxou-me um pé, passou-me por cima das pernas, do cu, das costas e depois da cabeça, empurrando-me para baixo. Esta valeu uns 4 ou 5 pirolitos e um valente: “Oh c….., filha da p….!!!!” Quando olhei, vi que era uma parelha. Um deles era cego, o outro era o guia. Estavam ali a tentar bater o record mundial de Ironman para cegos. Faceis de reconhecer porque eram os unicos de toca vermelha… E iam presos um ao outro por um cabo. Enfim… Achei que ele já tinha azar que chegue na vida e deixei de lhe chamar nomes.

Com isto tudo, cheguei à boia dos 1000 metros. Tinha planeado fazer entre 22 a 24 minutos (pouco acima dos 2m100m). Quando vi a boia (sim, enorme, vista de baixo para cima), numa das braçadas, debaixo de agua olhei para o relogio e vi 16 minutos! Isto era ritmo de campeão… Coisa que eu não sou! O entusiamos do momento desapareceu rapidamente. Tinha que abrandar! Fiz um reset aos meus pensamentos. “Ok, está a correr bem. Estou muito abaixo do tempo de corte. Sinto-me bem. Mas o objectivo é só um. Esquece o resto. Chegar ao fim!”. Pode parecer estranho, mas falo mesmo comigo proprio. E pior… respondo! Comecei a analisar a respiração. As minhas forças. E meti um bom ritmo, mas sem a loucura inicial. Continuava sem cair na tentação (e na asneira!) de olhar para trás para ver se era o último. Estupidez que me valeu uma lesão no gemeo no triatlo do Douro. O meditarraneo é tão limpido que mesmo na parte mais afastada da costa, com muitos metros de profundidade se vê o fundo de areia. Ficavam impressionados com a quantidade de toucas azuis do Ironman e oculos vi no fundo… Aquela malta da linha da frente deve ter andado ao coquete!

Este troço era o mais longo. Iamos até à boia que estava mais distante da partida. Como respiro sempre para a direita conseguia ir vendo a praia e conseguia orientando. As boias, mesmo grandes, às vezes custam a ver-se de tão longe que estamos. Vi alguma malta a dirigir-se aos muitos nadadores salvadores que estão em pranchas de surf. Outros, poucos, fizeram o sinal de pedido de ajuda e foram alcançados pelas motas de agua. O que nao falta ali é segurança. Top!

Foi assim que cheguei à viragem, mais uma boia gigante da ARENA conquistada! Volta e meia quando ia com a cabeça debaixo de agua, olhava para o relogio. Continuava a bom ritmo. Pelas minhas contas estava no limiar de fazer abaixo da hora de corrida! O que era… inacreditável! Continuava a sentir-me bem. Quando logo a seguir virei no regresso ao portico de partida, levei um arrefecimento nos animos. Tinha-se levantado algum vento, contra. Agora havia ondas (contra!) e parecia que a corrente também estava contrária. Nao era muito, mas o suficiente para nao ir tão folgado. Ali, só se houve o barulho da agua a bater na cabeça e quando metemos a cabeça de fora, o barulho da agua a ser perfurada pelos braços. Agora parecia que o barulho estava mais intenso…

Continuei a batalhar. Na vez seguinte que olhei para o relógio tinha 3500 metros… Estava quase. Levantei a cabeça e olhei à procura do portico. Pareceu-me que estava a bem mais que 300 metros…! Por principio, sou desconfiado. Um optimista nao passa de um pessimista mal informado!

Vi uma boia com uma marca de distância. 3000 metros! Olhei outra vez por vi mal. Era a dos 3500! Afinal não… Era mesmo a dos 3km!! No relogio, 3650 metros! Eu sabia! Era bom demais! Meti a cabeça debaixo de agua e desatei a batalhar com mais força contra as ondas! Custou-me um bocado. Tentei acalmar-me, dizendo a mim mesmo que apesar de tudo continuava muito à frente do tempo que tinha previsto. A ultima viragem, agora à esquerda, deixa-nos de frente para a praia. Para o pórtico preto do Ironman. 250 metros! Custou tanto este pedaço… 250 que pareciam 2500! Já via os voluntarios que ajudam a sair da agua, no meio das rebentação. Tentei não sei quantas vezes meter o pé na areia, mas estava longe de mais… Mais uns pirolitos. Quando toquei no fundo pela primeira vez, percebi que estava tonto. O que ao fim de uma hora e tal a abanar a cabeça é normal. Não é à toa que aquele pessoal está ali a ajudar a sair. Imaginem que se põe a rodar sobre vocês proprios ou num carrocel e depois tentam andar a direito… Não conseguem! Nadei mais um pouco e deixei-me ir nas ondas. Cabeça debaixo de agua, dei às pernas e estiquei o braço para a frente e para cima. Senti uma mão forte que me puxou e endireitou. Fiquei de pé e abri os olhos. Não me lembro da cara do voluntário mas lembro-me das palavras: “Enhorabuena! Que lo tienes!”

Saí da agua, caminhei pela praia em direcção ao Parque de Transição. Olho para o relógio, 1h29m! Nem me lembrei mais do tempo proximo da hora. Também nem dei importância ao facto de ter feito 4500 metros!!! Sabe Deus como… Para quem só queira fazer menos de duas horas… Que maravilha!

Passei debaixo do chuveiro de agua doce. Saquei do gel que tinha levado na manga do fato e que para não perder tempo não havia bebido durante a natação e enfiei-o goela abaixo! Aí entrei em race mode, havia uma missão por acabar. Agarrei uma garrafa de agua, bebi um gole e despejei o resto pela cabeça abaixo para tirar o sal.

A tenda estava cheia de malta, uns mais empenhados que outros. Ouvi umas vozes em português, mas não me denunciei, para não perder tempo em paleios. Tirei o fato, sem pressas, mas sem perder tempo. Meias, sapatos da bicicleta, oculos de sol. Peguei no capacete e no dorsal. Ao sair da tenda, antes de pegar na bike decidi ir ao WC. Este era um dos aspectos mais cruciais para mim, que tanto me tinha custado no Douro… 

Saí confiante com a bicicleta. Tomei o meu comprimido de cafeína (que tinha ficado agarrado ao avanço) e fiz-me à segunda parte, 180km a pedalar. Os primeiros 3 são no meio da cidade, com algum mau piso. Está marcado como “techical zone” nem se pode usar as extensões de guiador.

O pelotão vai ainda muito junto. São quase 3000 atletas é dificil dispersar…. Apesar de ser quase impossivel controlar o drafting (ir junto à roda do atleta à nossa frente) resisti até à ultima a essa tentação.

O meu ritmo inicial foi muito bom. Mais que a velocidade propriamente dita, sentia-me bem, abaixo do limite e sem sinal de fadiga. Quando comecei a treinar tinha marcado o objectivo de 30kmh. Pareceu-me um objetivo honesto e atingivel para alguém que apenas se propunha a acabar. Longe dos 40 dos vencedores mas digno. O percurso de bicicleta consistia em duas voltas a uma pista de 90km. A primeira metade era a favor do vento. O que fez com que rodasse quase sempre bem acima dos 30kmh. Não me entusiasmei porque sabia que para cá era contra o vento…

Não cometer erros tornou-se em mais que um entretem. Passou a ser uma obsessão. A pista está perfeitamente delimitada por cones laranjas. É mesmo muito fácil cometer um erro. São muitas horas, o cansaço começa a vir ao de cima, atletas muito juntos. Para não furar levava os pneus mais cheios que o habitual, o que me causava algum desconforto. Tentei sempre, mas mesmo sempre, pisar os rodados dos carros. O que corresponde à zona mais limpa da estrada. Sem aquelas pedrinhas de gravilha. Que num pneu com 1cm de altura é como passar por cima de uma pedra de calçada. Cada vez que a pista se desviava da trajectoria ideal, levantava a cabeça e olhava mais à frente. Cheguei a ir perigosamente perco dos cones para ir na zona limpa. Estas manobras custaram-me uns olhares desconfiados dos meus companheiros…

A nutrição consistia em comer ou beber a cada 1520 minutos. Saquei da primeira barra de hidratos e dei a dentada da ordem. Para ir mais leve apenas levava um bidon, com uma mistura de isotonico+hidratos. Nada de agua… O que me valeu uma pasta na boca! Dificil de engolir… Um horror. Próximo abastecimento ao km22. Quiçá daqui a meia hora… Bonito serviço!

Cabeça baixa, braços no extensor e apertei o ritmo. Já lá hei-de chegar. Temos tempo.
Aqui apercebi-me de um dos factos mais estranhos e ao mesmo tempo caracteristicos do Ironman. Numa prova com 3000 atletas, pensei ser impossivel sentir-me sozinho. Mas foi assim que me senti. Conhecem aquela canção “Silêncio e Tanta gente”? É incrivel como cada um, vai fechado na sua bolha. Entregue aos seus pensamentos. A unica companhia é o motivo que ali nos levou. Num trail, por exemplo, passamos por um companheiro e damos uma palavra de incentivo. Ou até abrandamos para termos companhia durante um bocado. No Ironman, não. Passamos, somos passados. Ninguém fala. Ninguém sorri. É como se fosse mais um treino. A mim não me fez grande diferença. Passei meses sozinho, em cima da bicicleta ou a correr. Poucos haviam de ter mais treino psicologico que eu…

Foi assim que cheguei ao inicio da unica subida da pista. Não era muito inclinada, mas era longa… Quase 5km. Mas era ao meu jeito. Longa, constante e pouco inclinada. Logo ao inicio havia o abastecimento. Recusei as barras, o isotonico mas agarrei com força a agua! Finalmente! Umas goladas valentes, bochechei e senti-me melhor. Guardei a garrafa no 2º suporte da bicicleta. Os pormenores de uma organização como esta são fantásticos. Mandaram as dimensões das garrafas e confirmaram que estas cabem no suporte das bicicletas…

Aqui pus-me de pé nos pedais, subi o ritmo e depois sentei-me a puxar. A minha bicicleta perdia um pouco nas rectas para as de contra relogio usadas pela maioria, aqui era o terreno de eleição dela! É tempo de tirar partido do carbono!

A meio da subida passávamos por um quartel de bombeiros. Meio contingente estava à porta a ver passar a corrida. O normal, podia-se pensar. Afinal, um deles estava a fazer a prova e eles tinham uma enorme recepção à espera. Acontece que esse tipo era o que ia comigo na subida! Não imaginam! Fomos engolidos por gritos de apoio! Faixas com frases de incentivo! Sirenes e rotativos ligados! Foi aqui que me voltei a arrepiar e a ficar com os olhos embaciados… O que vale é que os oculos de sol espelhados escondem tudo!

Continuei subida acima, com força. A sentir-me bem.
Foi também aqui que me apercebi do verdadeiro poder do psicologico. Em parte nenhuma me estava a custar puxar pela bicicleta. Nada me doía. Era como se a bicicleta fosse a flutuar por cima do alcatrão… Fantastico o poder da mente quando queremos mesmo alguma coisa.

Na descida aproveitei para descansar e esticar as pernas. Voltei a ser passado por algumas das super bicicletas de contra relogio. Aproximava-me do ponto de retorno da primeira volta. No ciclismo os dorsais vao virados para trás. Fui reparando nas nacionalidades do pessoal. Turcos, ingleses, alemães, finlandeses, marroquinos, iraquianos! Tudo e mais alguma coisa…

Proximo do ponto de retorno passamos por outro abastecimento que está no sentido contrário. Tirei as medidas ao meu primeiro “pit stop”. Conforme anunciado, havia WC em todos os “Aid Stations”, ou seja pontos de abastecimento. Virei, passei por cima de mais um ponto de leitura do chip (aqueles que vocês viam em casa!) e desci. 2 km´s depois estava no abastecimento. Recusei a agua e fui até ao suporte para bicicletas. Sim, há estacionamento no abastecimento para se puder ir ao wc… Antes de acabar de desmontar, um voluntário vem a correr na minha direcçao e fica-me com a bicicleta. Quando saí, a bicicleta estava pendurada no suporte à minha espera. Troquei a garrafa de agua por uma fresca, peguei numa barra (na tentativa de comer uma com sabor diferente…) guardei e segui viagem.

Agora ia contra o vento. Custava mais. Por mim passaram grupos. Autenticos contra relogios por equipas, com pessoal a puxar à vez. Posso dizer, à boca cheia que cumpri com todas as regras. “NO DRAFTING!”. Não percebo sinceramente o que pode levar um atleta de meio do pelotão a fazer uma batota destas… A minha unica competição era comigo mesmo e era com essa dignidade que queria acabar.

Os 20km seguintes custaram-me imenso. Ia encolhido em cima das barras, tentando cortar o vento mas com a hora de almoço, o vento surgiu do lado do mar e agora estava mais forte.

Mesmo assim continuei a fazer o melhor que podia e a manter um bom ritmo. Quando ultrapassei 2 atletas, fui eu ultrapassado por outro mais rapido. Ficámos ali os 4 no limbo. Eu tinha que acelerar para ultrapassar, mas tinha também que abrandar porque estava a ser ultrapassado. São assim as regras. No meio desta indecisão surge uma arbitra de mota que me adverte que estou a fazer batota! Ameaça-me com penalização! “O QUÊ? TÁS-TE A PASSAR?!?!?” Logo a mim… Levantei a cabeça e fui à parte central da estrada discutir com ela. Não foi bonito… E acima de tudo foi estupido. Deitei muita coisa a perder com aquela atitude irreflectida. Percebi que havia coisas mais importantes em jogo, mas um pouco mais tarde… Voltei à missão. Vencido, mas não convencido!

Com isto acabei a primeira volta. Na rotunda de Calella estava a minha mulher. Ela e a bandeira de Portugal. Tinhamos combinado ela andar sempre com ela visivel para ser mais fácil eu conseguir ver. Fez-me uma festa! Ali eu estava em race mode e havia muito publico, esmerei-me e passei como se fosse a lutar pela vitória. Cenas… de gajo! Limitei-me a acenar e a levantar o polegar para mostrar que estava tudo bem. “Volto daqui a umas 3 horas!” Até já… Iniciei a 2ª volta! Ainda agora tinha começado e agora já estava a meio! A distância estava a ficar vencida!

Agora iamos mais espaçados. Se por um lado nao havia o risco de drafting ou de batermos na roda uns dos outros, era mais fácil cometer um erro por distração… Quase 5 horas de corrida. A mente já não vai a 100%. Continuava a cumprir escrupulosamente o plano de alimentação. De 20 em 20 minutos uma dentada numa barra empurrada por agua ou um gole no isotonico com hidratos. Este isotonico foi uma excelente opção. Levei inclusivé uma segunda dose. Num dos abastecimentos parei, meti o pó no bidon e enchi com agua. Perdi algum tempo (o pessoal nao está preparado para estas trocas) mas pareceu-me mais importante perder estes 2 minutos e manter a cabeça confiante.

Passei parte da 2ª volta a pensar num recuerdo que queria oferecer ao Hugo da CycleSpace – Coimbra. Ele tem uma vitrine onde guarda pequenas recordações. A minha tinha que ir para lá e ser especial. Tal e qual o apoio que ele me tinha dado. Ia sentado numa bicicleta que ia perfeita… Que transmitia confiança em cada pedalada. Era o minimo que podia fazer.

Entregue a estes pensamentos (que nao servem mais que para enganar a mente e passar o tempo…) cheguei à tal subida. Passei no quartel dos bombeiros, que agora nao tinha ninguém. Será que o bombeiro desistiu? Pelo menos eu tinha-o deixado para trás e nunca mais o vi…

Lembram-se do gel que eu levava no fato? Foi aqui que o meti, no inicio da subida. E consegui fazer melhor tempo que na primeira subida. Ia realmente bem. Já tinha passado a marca dos 100km e continuava cheio de força… Que maravilha de momento!

Na descida havia vento de frente, aproveitei para descansar as pernas e esticar as costas.
Quando cheguei ao ponto de retorno, planeei a ultima paragem. Um sitio que eu já conhecia. Resolvi nao inventar. Estacionei, mudei a garrafa de agua e saí.

Com o vento de frente, baixei a cabeça e puxei como se nao houvesse amanhã ou uma maratona para fazer a seguir. Um israelita fez quase 20km na minha roda…. 20! É muito! Quando alivei o ritmo para esticar as costas, ele passou-me, fez-me sinal para ir na roda dele. Caí na tentação e fui… Ao fim de uns bons… 300 metros!!! Encostou e fez-me sinal para eu puxar novamente. Fiquei cego! Passei mesmo. Puxei tanto que ele nao me conseguiu seguir. Nem com drafting! Isto foi uma estupidez, mas às vezes acontece… E não se pode evitar.O vento de frente deve fazer-me mal!

No meio disto tudo, a parte boa! Lembrei-me do que ia oferecer ao Hugo. Queria algo que tivesse ido comigo! Que fizesse parte da história da corrida… Um bidon! Um dos da organização! Da PowerBar! Mas que eu não usava… Porque tinha os meus! Foi então que geri a minha agua até ao ultimo abastecimento. Ali deitei a garrafa de agua fora e pedi um bidon (de 750ml, pesado para xuxu…) de isotonico! E levei-o até à meta sem beber um golo!

Fiz os ultimos km´s do ciclismo já com algum cansaço mas com um enorme sentimento que estava quase.

Foi aqui, quando ia de cabeça baixa que me emocionei… O sentimento que ia conseguir começava a ser palpavel. Chorei… Chorei… Chorei… Dei um grito para parar com aquilo. Chorar estraga o ritmo a que respiro. Faz subir o pulso. Nao tem nada de bom!

Baixei a cabeça e pedalei com mais força. Cada pedalada estava mais perto do sonho maior! Quase que o conseguia sentir…

Os ultimos km´s já vamos bastante separados. Ia sozinho a puxar. O sol já ia baixando, agora do lado oposto… Mantinha o bom andamento mas ia mais relaxado, com o tal sentimento que estava feito. A distância estava a ficar cumprida.

Entrei na cidade a caminho do parque de transição. A minha mulher estava à minha espera. Cerrei o punho e acenei. Está feito! Pensei…

Quando me sentei, já dentro da tenda para mudar de roupa, tudo eram sorrisos… Estava a correr melhor que o pensado. 30 minutos a menos na natação e agora quase uma hora a menos no ciclismo em relação ao planeado.

Escolhi a barra de proteína para levar para o ultimo sector (as tais que tinha deixado ao inicio, lembram-se?). Mas não encontrava o comprimido de cafeína. Este comprimido serve para afastar a fadiga. É o equivalente a beber para aí uns 4 cafés… Revirei o saco. Nada… Bolas. Que se dane. Também nao há-de ser por isto.

Não precisei trocar as meias pelas de reserva. Estava tudo bem com os pés. Zero bolhas. Saquei dos sapatos de running, quando ia calçar cai o saquinho com o comprimido de cafeína… Sorri. Só podia sorrir! Nada, mas nada estava a falhar naquele dia!

Saí da tenda com a pala do sol (sim, era quase de noite…) e o bidon de agua na mão. Confiante. Quando entrei no parque da cidade onde estava desenhada o percurso da Maratona já ali andava muita gente a correr. Apoiantes eram muitos! Faziam imenso barulho! Berravam, tinham chocalhos, até guitarras e pandeiretas. Um folclore!

O percurso da maratona consistia em 1.6km de ligação entre o Parque de Transição e a meta, mais 3 voltas de 13,5 de um percurso pelas ruas da cidade. Total: 42,2 km.

Entrei aqui a 6 minkm o que é bom. Demasiado bom… Quando passei a primeira vez na meta comecei a aperceber-me que o meu entusiasmo e força de vontade era maior que a força que tinha nas pernas. Tinha agora quase 8 horas de esforço intenso e continuo… Quando vi a placa dos 2km, levei um «murro no estomago»… Se tinham passado 2, faltavam 40. De repente o que tinha ficado para trás, nao interessava para nada… Tentei encontrar um passo mais lento, onde me sentisse confortavel. Nao foi fácil… Olhei para o relógio e comecei a fazer contas de cabeça… Aquele ritmo ia demorar 4 horas a fazer o que faltava… 4 horas! 4 horas??? É muito… Uma eternidade para as forças que me restavam. Aqui foi a primeira vez que me senti esmorecer… Ainda que nao achasse que o objectivo estava em risco, tive que usar tudo o que tinha de reserva de força animica para continuar. O psicologico é particularmente cruel a este ponto… Já passámos muito, mas ainda falta muito. No Trail temos momentos menos intensos onde é possivel recuperar. No Ironman, não. É sempre, sempre, sempre a dar. Tentei continuar a correr. Correr sempre, por muito lento que fosse. Mas não era fácil… Como são 3 voltas, a pista tem marcações para as 3 voltas. Por isso, via o km3… E o 16… E o 29… É duro! Ir ao km3 a arrastar os pés e ver o pessoal que já vai na 2ª volta ou mesmo na ultima… A moral, aqui, vai junto às sapatilhas, a arrastar pelo chão… 

Tudo começa a estorvar. Comecei a ficar nauseado, com dificuldade em comer. Demasiadas horas de esforço, a comer barras e geis…

Lembram-se de ter dito que havia montes de publico? Pois, aqui a pista é estreita. Tem 2 sentidos. O publico é tanto e está tão em cima que o ar nao circula. Fica um calor… Sufocante!

Quando cheguei ao abastecimento seguinte, olhei e nem sabia o que havia de comer… Já não podia olhar para as barras e geis. Que nausea… A agua já nem era fresca. Tentei banana… Um terço, para aí… Que horror. Uma pasta na boca. Nem com agua (morna!) conseguia empurrar. Tinha decidido que entre o inicio do abastecimento e o ultimo caixote do lixo do abastecimento ia caminhar. Tudo o resto, era para correr, por muito que custasse. Podia ir a arrastar os pés, mas tinha que correr. Pelo sim, pelo não enfiei um gel no bolso…

Corri até ao proximo abastecimento. A pista não era particularmente interessante. Um zig-zag pelas ruas, onde nos iamos cruzando com o pessoal em sentido contrário. A parte mais distante era francamente desinteressante… Um caminho rural, sem nada. Ao longo da linha do comboio. Longe da praia. Zero interesse. Uma marcação marcava o ponto de retorno, onde estava a celula que lia o chip (sim, o tal que vocês viam…). Este abastecimento tinha: geis, barras, agua morna e banana… Ora, f…-se! E agora? Nauseado até ao tutano, mas tinha que continuar a comer… Faltavam mais de 3 horas para acabar aquele suplicio! Enfiei um gel pela goela abaixo e empurrei muito depressa com agua a ver se aquilo passava sem sentir o sabor… Resultou, pelo menos psicologicamente… 

Comecei a correr, desta vez em direcçao à meta. Ou seja, era eu que via o pessoal ainda a caminho do ponto mais distante. Conseguia correr. Não muito rapido, mas com alguma dignidade… Tentei reparar na cara, nas expressões e na bandeira dos dorsais que passavam em sentido contrário. Numa prova destas, com tantas nacionalidades, há de tudo, mesmo. Velhos, novos, homens, mulheres, em forma, a arrastar-se… Curiosa esta amalgama de expressões e tons de pele.

Neste regresso entrávamos na cidade por um outro lado. Passávamos junto a esplanadas cheias de turistas… Alguns, batiam palmas e incentivavam.

Aqui havia mais um abastecimento… Adivinhem! Sim! Gel, barras, banana e agua morna. Novidade? RED BULL! E… Fresco! Nunca bebo disto. Jamais. Mas agarrei numa lata e comecei a caminhar… Bebi tudo. Fresquinho, fresquinho… Deslizou tão bem. Ganhei uma alma nova ali. Neste ponto estava a pouco mais de 3 km da meta. Ou neste caso, do final da primeira volta. Pouco depois voltava a entrar no jardim junto à meta. Ainda havia muita gente, mas menos. Eu também ia um pouco melhor. A cafeína do Red Bull faz efeito… Quando fiz a inversão e ia a entrar na 2ª volta, olhei de lado para a passadeira vermelha que leva à meta. Tentei nao olhar muito… Mas era impossivel. Lá em baixo, havia festa para quem chegava. As bancadas estavam cheias. Havia musica e gritava-se a frase mitica: “You are an Ironman”.

Entrei na 2ª volta… Pensei que já tinha feito uma, faltavam duas. Já tinha faltado mais. Mas a que tinha feito custou tanto… Ainda tinha tanto para sofrer. Em sentido contrário, o pessoal que ia a caminho do final. Que sorriso que levavam! Parecia que levitavam acima do piso. Pelo menos comparado comigo… Saí do parque da cidade novamente a caminho do ponto mais distante. Estava já lusco fusco… O vento junto à praia era contra, mas soube-me bem. Fresquinho… Fechei os olhos. Agora as marcações eram um bocadinho mais animadoras. Já ia quase no km 20… Quase 30. Mas quando apareciam as marcações da ultima volta….

No abastecimento seguinte reparei em algo. Gel… com cafeína! Oh boy… O meu estomago estava nas ultimas. Em desespero, engoli aquilo. E sim, empurrei com agua para disfarçar o sabor… Nauseado, lá fui a caminho do tal ponto distante. Aqui já muita gente ia a caminhar. Eu, missionario, corria. Corri sempre, a sofrer mas corri. Para enganar a cuca ia fazendo contas de cabeça ao que me faltava. Decidi nao olhar para o ritmo, apenas ritmo medio. E ia aumentando… Mas estava mais proximo.

No tal ponto mais distante e depois de passar a celula (mais um tempo para vocês verem) abrandei no abastecimento. O Red Bull já lá ia… O gel também. Mas tinha que continuar a ingerir liquidos e algo que desse energia. Mas já não conseguia… A nausea ganhou. Dei um gole na agua… morna. Era o ultimo abastecimento antes do Red Bull… Aguentei. Depois do ultimo contentor do lixo lá comecei a correr. Nestas provas, depois das bancas onde estão as bebidas e a comida existem algumas dezenas de metros com contentores de lixo para o pessoal atirar o que sobra. Mesmo assim, o chão fica uma lástima… Aqui encontrei uma atleta que chorava baba e ranho. Mancava… Um pé completamente inchado no tornozelo era a causa… Alguém abraçado a ela tentava consolar o inconsolável… Segui, sem parar.

Voltei a cruzar-me com o pessoal que vinha em sentido contrário até entrar na cidade. Agora as caras iam mais desanimadas. Eu? Ia cansado, nauseado, mas ia… Firme! Havia ali qualquer coisa que me ia empurrando para a frente. Foi assim que cheguei ao abastecimento do Red Bull já na cidade… Fui ao WC, bebi uns goles de Red Bull e segui… Ia agora mais tranquilo. Sabia que a distância que faltava estava perfeitamente dentro do tempo limite. Só tinha que gerir… Sorri quando comecei a correr. É impressionante o que conseguimos tirar de nós proprios quando queremos mesmo alguma coisa. Há força onde julgamos já não existir. Entrei no parque já de noite cerrada. Passei a ultima vez pela meta, antes de poder virar à direita… O som e a luz que vinham de lá de baixo voltou a fazer-me brilhar os olhos. Faltavam 13,5 km´s para concluir o meu sonho. Encontrei a minha mulher. E disse que daqui a uma hora e meia voltava…

Quando saí do parque da cidade pela ultima vez ao longo do passadiço da praia ia já sozinho… Eramos agora menos em pista. Apesar de sermos muitos, ia sozinho. Era noite cerrada. O mar estava calmo e dava para ver a lua reflectida. A tal brisa de frente que vinha do mar voltou a saber-me bem. Aqui a nausea já não custava tanto. As placas com os km´s 30 eram agora para mim… Tentei apertar o ritmo. Para despachar aquilo. Não conseguia… Mas fui sempre, sempre a correr. Mesmo de rastos é preciso conferir alguma dignidade a um momento tão solene. Fui passando pessoal à medida que me ia aproximando do ponto mais distante. Já muita gente caminhava. A mim custava-me correr. Mas ver que continuava a ter forças dava-me força ainda para mais… Passei o sensor do chip e cheguei ao abastecimento. Decidi nao comer, nem beber. Estava perto da meta. Sem sinais de desidratação, cansado mas sorridente. Tinha tudo o que era preciso. Naquele pedaço da pista a iluminação era pouca. Até quase deprimente. Corri até ao tal abastecimento do Red Bull. Quando lá cheguei, ultima paragem no WC, um gole num Red Bull e siga… Enquanto ainda ia a caminhar encontrei um israelita que chorava. Queria desistir. O quê??? Estás-te a passar, pá?? Disse-lhe num inglês possivel aquela altura. Disse-me que nao aguentava mais. Pá, treinaste para isto durante meses e vais desistir a 3km da meta? É preciso eu bater-te até começares a correr? Foi nesta parte que ele olhou para mim. Tinha para aí 1,90m e era largo de ombros. Deixou de chorar e olhou lá de cima para mim, cá em baixo. A cara era agora de espanto. Mais calmo lá me disse que não queria prejudicar, para eu seguir. Disse-lhe que tinhamos tempo. Que caminhava com ele até à meta se fosse preciso. Do outro lado surgiu uma egipcia, simpatica, que também se dispôs a ir conosco. Estava feito. Vamos juntos!

Foi assim que entrámos no parque da cidade pela ultima vez. Noite fechada. Ao fundo via-se a luz tipo discoteca. Estavamos quase…

Fiquei para trás. Disse para eles seguirem, que ia ao WC e que já acabava. Apetecia-me estar só. Foi aqui que me saiu todo o peso do mundo de cima dos ombros… Comecei a caminhar… E olhei para cima. Vi as estrelas. Desta vez, o Universo tinha conspirado a meu favor. Tinha conseguido… Corri, pela ultima vez. Já não me lembrava das dores ou do cansaço. Ia com um passo ligeiro, ainda que lento. Agora parecia que não queria acabar… Finalmente, liberto da pressão, conseguia disfrutar do facto de estar a fazer um Ironman… A 1km da meta encontrei a minha mulher. Julguei que estava já na meta à minha espera. Mas não, queria-me dar a bandeira que eu lhe tinha entregue para aquele momento. Nao quis… A bandeira não tinha feito o percurso comigo. Não fazia parte da história. Pelo menos da minha. Talvez da dela. Agora sabem porque não passei a meta de bandeira na mão…

Caminhámos juntos, um bom bocado. Conversámos. Já pouco me interessava o tempo. Ia de rastos, mas feliz. Já nada me podia parar. Só faltava ela estar na meta. Lá desatou a correr entre a multidão para lá conseguir chegar antes de mim. Sorri. Voltei a olhar para cima. Para as estrelas, como se lá em cima tivesse a resposta para aquilo que eu sentia. Passei por cima da marca na estrada que noutro post partilhei com vocês. Tinha chegado o momento de virar à direita e pisar a passadeira vermelha com o M… Ficaram ali as ultimas lagrimas. Achei que já tinha dado tempo da minha mulher chegar à meta. Pisei a passadeira, ajeitei a pala, o dorsal e corri. Daquele ponto até ao portico de meta são 125 metros. Os ultimos depois de 42km.

Não foi à toa que me deixei ficar para trás antes de passar a meta. Queria aquele momento só para mim. Treinei sozinho. Sofri sozinho. Queria estar ali sozinho. As bancadas estavam cheias de pessoal que gritava. A meio estava o speaker, figura mitica de qualquer Ironman. Ali, a frase mitica, que durante meses (anos?) sonhei ouvir, a primeira parte pelo speaker, o resto em coro com o publico: “Pedro, from Portugal, YOU-ARE-AN-IRONMANNNNN!”
Posso-vos dizer que por mais anos que viva, não vou esquecer aquela frase. Dita ali, naquele momento. É o sonho de 3000 pessoas que horas antes se juntaram numa praia para enfrentar aquela tarefa monumental.

Cerrei os punhos e passei a meta.
Estava feito! Feito e bem feito! 12 horas e 57 minutos e 44 segundos de sonho! Dor? Nada! Só superação!

Não houve lagrimas… Exaustão, isso sim. Psicologica. Depois da meta, só consegui olhar para a medalha. Peguei-lhe e olhei. Estava ali, a “Arca da Aliança”. O fim de um ciclo. Estava feito. Fechado.

Olhei em volta à procura da minha mulher. Não a via. Não via nada… Só queria sair dali.
Procurei a saída. Não fui ao recovery, só queria a saída. Cerveza, señor? Não, a saída!
Peguei no meu saco das coisas e vim embora. Faltava uma coisa. O meu troféu.
Saí… Procurei e encontrei. E tive ali o abraço que faltava para poder descansar. Afinal de contas, ela também tinha feito 12horas, 57 minutos de prova. De inicio a fim. Esteve sempre ali. Por isso, a minha gratidão. Foi forte, forte, forte. Por aquele dia e por todos os outros, especialmente quando cansado disse o que não devia, a minha devoção à IronWoman.

O Ironman, é, sem sombra de duvidas um desafio. Não sei se é o maior. Quero pensar que não. Quero encontrar outros. Maiores. Mas posso dizer que é sem duvida algo de grandioso. Mas o maior teste nao é ao fisico. Essa parte é enorme. Mas o verdadeiro teste é à cabeça. À nossa capacidade de resistir aquilo que julgavamos não ser possivel. A maior lição desta prova, apesar de só me ter apercebido disso no dia 2 de Outubro, foi dada ao longo dos meses de preparação. Onde tive que aprender a ser organizado. Para conseguir fazer tudo. Onde aprendi que sem ajuda não conseguia fazer a prova. Onde percebi, e como alguem me disse, que os maiores trofeus que eu podia ter, já tinha, e viviam comigo.
O Ironman, percebo agora, começou há muitos meses. No dia 2 só lá fui passar a meta…
O nome Ironman é justificado, garanto-vos. Não pela distância a percorrer, mas pela nossa capacidade mental de lá chegarmos. Poucas sensações no mundo se poderão comparar ao passar a meta de um Ironman… Ouvir o vosso nome seguido da frase: “You are an IRONMAN!”

E sim… “We can be heroes, just for one day”

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